Caracóis? Porquê?

Uma grande parte das pessoas com cabelo naturalmente encaracolado/ondulado, passaram provavelmente parte considerável das suas vidas a tentar escondê-lo. Porquê? 

Os caracóis são naturalmente rebeldes, ao contrário de um cabelo liso e alinhado. Essa rebeldia, o look despenteado, a dificuldade de domar o cabelo, os olhares de lado de uma sociedade naturalmente julgadora, fizeram com que muitas de nós procurássemos uma alternativa simples, que passava por alisar o cabelo todos os dias, ou fazer um alisamento químico e tornar esse processo mais definitivo.

Quem nunca sofreu com o cabelo elástico depois de uma química, cabelo a partir dia após dia, pontas espigadas que nunca mais terminavam, uma fortuna gasta em produtos que prometiam manter o cabelo liso, sem sucesso? Quem nunca se importou, e bem, com o preconceito e sempre viveu livremente tal como é.

Não foi o meu caso. Comecei a alisar o cabelo com 15 anos e mantive essa rotina até aos 23. 8 anos consecutivos a matar o que eu achava mais gostar em mim.
Mas pior ainda do que os estragos físicos do cabelo, para mim, é aquilo que esse tipo de tratamentos faz, indiretamente, à nossa identidade.

Recordo-me dos elogios que ouvia todos os dias relativamente ao meu cabelo liso e de me sentir insegura. Porque na verdade, aquilo que eu mostrava ao mundo, não era eu. Por muito que me deixasse contente o facto de ser notada de forma positiva, era como se aquele elogio não fosse realmente para mim. Porque de cada vez que tomava banho, antes de secar e alisar o cabelo, não era a Pocahontas que via no espelho, era a Mérida.

E se por um lado até gostava da imagem que via, preocupava-me demasiado com os comentários que ouviria do exterior.

A jornada de abraçar um cabelo encaracolado não é fácil, envolve muita paciência, amor e resiliência. Se o cabelo estiver danificado e massacrado por anos de alisamentos e tratamentos químicos, mais dificilmente será. Mas compensa!

Há dias em que os caracóis cooperam e corre tudo bem. Há outros em que não há caracóis nem ondas, só frizz. Passa tudo por uma aceitação acerca de nós próprios, de uma mudança de perspetiva: Há dias em que a nossa pele não acorda tão bonita, e nós resolvemos facilmente com maquilhagem. Que mal tem em fazer um rabo de cavalo se sentimos que não vai mesmo dar para finalizar o cabelo como queremos? É elegante, descontraído e bonito. Nós é que não queremos ver.

Deixei de alisar constantemente o cabelo há quase 4 anos e ainda hoje consigo notar alguns efeitos secundários. O mais notório, para mim, foi a mudança na minha estrutura capilar que fez com que os 'canudos' que eu tinha desaparecessem. Inicialmente tinha alguns jeitos, que passaram a umas ondas mais definidas, e apesar de já ter bastantes caracóis a quererem aparecer, ainda há muito trabalho pela frente.

Acima de tudo, quando temos amor próprio suficiente para darmos valor ao que naturalmente temos, o mundo não tem outra hipótese senão colaborar.

Desejo a todas que estão nesta jornada de auto-conhecimento, tal como eu, dias felizes com caracóis, cachos e ondas bonito(a)s!